segunda-feira, 15 janeiro 2024 11:12

Presidente da APED: “São precisas menos e melhores mudanças legislativas”

O presidente da APED, José António Nogueira de Brito, preconiza menos e melhores mudanças legislativas. Na primeira entrevista desde que assumiu a presidência da Associação, defende que as empresas do sector enfrentam um verdadeiro “tsunami” regulatório com origem em Bruxelas. E afirma que o reconhecimento do papel social da Distribuição e Retalho é insuficiente, considerando que faria falta um maior envolvimento na construção dos projetos legislativos.

Store | Qual a visão da direção da APED para o mandato que está a presidir?

José António Nogueira de Brito | Conseguir que o sector continue a ser reconhecido como um ecossistema fundamental para o desenvolvimento económico do país, com uma enorme responsabilidade perante os seus mais de 140 mil colaboradores e respetivas famílias e com um impacto positivo nas comunidades onde está presente. Para isso, queremos continuar a crescer em número de associados, contribuindo, assim, para a representatividade e diversidade da associação. Com 23 novos associados este ano, já somos mais de 200 empresas de retalho alimentar, não alimentar e especializado na APED.

Qual é o principal desafio que enfrenta para estes quatro anos?

Num contexto de elevada incerteza geopolítica e de grandes transformações que impactam de forma muito significativa o sector do retalho, tais como a transição digital, o imperativo da sustentabilidade e a agenda verde, as empresas enfrentam ainda um verdadeiro “tsunami” regulatório com origem em Bruxelas. Isto pressiona a disponibilidade dos recursos e traz uma enorme carga de burocracia e complexidade às empresas, num tempo em que um consumidor cada vez mais sensível ao preço e pressionado por taxas de juro muito elevadas exige às empresas grande disciplina de custos e foco na eficiência. É um enorme desafio para as empresas do nosso setor, tanto do retalho alimentar como não alimentar e especializado.

O setor da Distribuição e Retalho é o maior empregador privado em Portugal. Esse peso económico é reconhecido?

O reconhecimento do papel social da Distribuição e Retalho foi muito expressivo no período da pandemia, em que o sector deu prova da sua resiliência e da disponibilidade para manter a cadeia de abastecimento dos produtos essenciais a funcionar, com a colaboração dos seus fornecedores e o contributo valioso dos seus operadores de loja e armazéns. Sentimos, no entanto, que não raras vezes esse reconhecimento é demasiado insuficiente quando porventura faria mais falta, por exemplo na construção dos projetos legislativos. Somos muitas vezes confrontados com projetos de lei acabados, com períodos de consulta muito curtos, na prática sem possibilidade de contribuir com o conhecimento da realidade das operações no terreno, com prejuízo para as empresas, para os seus colaboradores e para os consumidores.

Quais os desafios em termos de formação e requalificação dos trabalhadores do retalho?

Com mais de 144 mil colaboradores, distribuídos por mais de 4.500 lojas, e um investimento superior a 150 milhões de euros na formação e requalificação, as empresas encaram o futuro e os impactos das alterações no trabalho reforçando competências, num enorme desafio de upskill e reskill dos seus colaboradores. Para ir ao encontro das expectativas dos consumidores, os retalhistas terão de abraçar a digitalização e gerir mais e melhor a informação de mercado, reforçar os seus esforços na sustentabilidade, adaptar-se às alterações demográficas e reagir mais rapidamente à evolução das dinâmicas dos mercados. A jornada de compra do consumidor será mais complexa, obrigando à utilização de todos os canais de venda (a tão falada omnicalidade), com uma evolução constante do papel da loja como ponto de contacto com o consumidor. As decisões terão de ser tomadas cada vez mais suportadas por informação, com as tarefas de valor acrescentado, serviço ao cliente e business intelligence a ganhar relevância, ao mesmo tempo que as tarefas mais administrativas serão provavelmente mais automatizadas. Segundo um inquérito do EuroCommerce, apenas metade da força de trabalho do sector está preparada para essa transformação, a que se somam os milhares de novos recrutamentos em cada ano, pelo que dezenas de milhares de colaboradores terão de adquirir novas competências. Algumas mais técnicas, como digital e data analytics, digital marketing, inteligência artificial e machine learning, em funções de pricing ou supply chain, mas também competências sociais e emocionais para desenvolver a experiência de compra e o serviço ao cliente, empatia e coordenação de equipas, gestão de mudança e agilidade de aprendizagem.

A digitalização é outro dos eixos estratégicos da APED. Qual a visão para este mandato?

A APED quer acompanhar e antecipar os desenvolvimentos na regulação do digital, do e-commerce à introdução da robótica nos processos de logística, da inteligência artificial, do blockchain e dos smart payments. Por isso, a Comissão de e-commerce da APED tem agora uma missão mais abrangente, abarcando todo o digital, na dinamização e criação de conteúdos nesta área e de um Observatório para a Transformação Digital no retalho, na partilha de iniciativas e programas de apoio à inovação e digitalização, na dinamização de eventos com os associados neste âmbito e no desenvolvimento de parcerias entre o sistema científico e tecnológico. No e-commerce em particular, faremos uma atualização do estudo da APED publicado em 2019, sobre as barreiras existentes em Portugal a um maior crescimento das vendas realizadas através de canais digitais (comércio eletrónico ou e-commerce), com propostas de ações de melhoria.

Por outro lado, estamos particularmente atentos às ameaças muito presentes dos ataques cibernéticos, pelo que faremos da Ciber Segurança um dos focos da nossa atuação junto dos associados, para que esta constitua uma prioridade na sua gestão dos modelos operativos, na infraestrutura de IT e no desenvolvimento das suas aplicações. Em concreto, temos por objetivo elaborar um Manual de Boas Práticas de Ciber Segurança e a respetiva campanha de divulgação, a apresentar aos associados num evento dedicado ao tema. No plano legislativo, continuaremos a defender a adaptação do quadro regulatório às novas tecnologias de forma equilibrada, que não deixe ninguém para trás, promovam um level playing field entre todos os atores, e que ao mesmo tempo não constitua um entrave à inovação e à mudança.

No atual contexto de mudança, a APED tem, de algum modo, responsabilidades acrescidas na defesa do setor?

O contexto económico e social que se vive atualmente no país, muito influenciado pela inflação alimentar e o aumento dos custos de produção, exige um setor atento, responsável, solidário e mobilizado. A Distribuição tem feito um esforço para acomodar a subida de custos verificada nos elos anteriores da cadeia, a montante, baixando ou esmagando margens e não passando a totalidade do agravamento de custos ao cliente final na mesma proporção. A aproximação da reposição do IVA nas 46 categorias de produtos alimentares essenciais terá impacto imediato na conta a pagar pelos consumidores e recolocará o tema dos preços dos bens alimentares no centro das atenções. Os retalhistas continuarão a tudo fazer para defender as famílias portuguesas neste período tão desafiante, mas, como temos alertado, o mercado continua a funcionar e não controlamos – como a própria produção não controla – a evolução dos custos dos fatores de produção. Acreditamos que cada elo da cadeia deve fazer o que estiver ao seu alcance para proteger o consumidor nestes tempos de grandes dificuldades e incerteza. As empresas que representamos fazem certamente a sua parte.

Do ponto de vista da supply chain há enormes desafios: onde estão os maiores?

Na Distribuição, temos modelos de relacionamento justos com os parceiros em toda a cadeia de valor, defendendo práticas comerciais equilibradas como instrumento para um crescimento sustentável. São exemplos disso os acordos de autorregulação, os guias de boas práticas, os protocolos de colaboração com a produção nacional e a participação ativa nas plataformas de acompanhamento das atividades do sector, assim como no observatório de preços. Lamentamos por isso as recentes referências do presidente da Centromarca a uma maior conflitualidade na cadeia de valor, e achamos graves as insinuações de que poderá haver por parte dos distribuidores práticas desleais ou restritivas do comércio. Num período difícil e que ainda será de grande exigência para a gestão dos orçamentos familiares dos Portugueses, entendemos ser, da parte de uma associação de empresas processadoras, um péssimo serviço prestado ao regular funcionamento de toda uma cadeia de abastecimento dos produtos alimentares, desde a produção nacional, passando pela indústria agroalimentar, até à distribuição, focada no objetivo de servir os consumidores. Na gestão da supply chain, as tensões geopolíticas atuais, a disrupção nos transportes intercontinentais, a procura de encurtar as cadeias longas de abastecimento, o aumento exponencial da procura das principais commodities ou a expectativa do consumidor em ser servido cada vez melhor e mais rapidamente, são tudo desafios que trarão mais stress para o relacionamento entre os diversos atores das cadeias de abastecimento, razão pela qual a APED continuará a defender e estimular abordagens mais colaborativas.

A sustentabilidade está no centro da estratégia da APED e do setor. Quais as grandes preocupações?

Para além de continuar e alargar a implementação do Roteiro para a Descarbonização do setor, uma ação coletiva fundamental, desenvolvida pela APED e de adesão voluntária, visando a descarbonização das atividades do setor até 2040, na qual estamos a envolver cada vez mais associados, temos um track-record que não deixa dúvidas sobre o nosso compromisso no domínio da sustentabilidade. Na eficiência energética estamos na frente, com boas práticas e poupanças significativas, e também na utilização e fomento de energias mais “limpas” e eficientes. Na economia circular, preocupa-nos a indefinição que ainda subsiste no recentemente regulado Sistema de Depósito e Reembolso de Embalagens, em particular quando às datas previstas e articulação com o SIGRE. As medidas do Orçamento de Estado relativas à chamada fiscalidade verde são outro foco de preocupação, com falta de condições no mercado para uma correta implementação das mesmas nos prazos apresentados. Da mesma forma, preocupa-nos a impreparação dos sistemas existentes para a execução da recolha seletiva de bio-resíduos, estimando que em apenas 30% das localidades onde os nossos associados estão presentes existam soluções operacionais disponíveis.

 

Pode ler esta entrevista na íntegra na edição de outubro/dezembro 2023 da Store.

Fonte: Store Magazine

 

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